terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Viver o deserto

A Quaresma, entre outros sentidos, recorda os 40 dias de Jesus no deserto, 40 dias de solidão, de silêncio e de oração.

Na Sagrada Escritura, este local inóspito aparece como lugar que permite a revelação de Deus, como aconteceu com Moisés e Elias.
Se a Igreja não nos pede para partir para o deserto como Cristo, podemos no entanto, no meio dos homens, permanecendo em contacto com eles, procurar também nós, viver o “deserto”, na oração, solidão, e fazer silêncio de realidades inúteis ou secundárias.
Jesus é o melhor exemplo para viver tudo isso. Muitas vezes, procurou a solidão e o silêncio, afastando-se dos amigos e das multidões, para poder falar a sós com o Pai, e pediu aos seus discípulos para também fazê-lo…”quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta”. (Lc 6,6)

Viver a Quaresma neste espírito do “deserto”, pode ser uma maneira de voltar a dar um carácter sério e sagrado à palavra. É bom fazer ascese de palavras, disciplinar aquilo que proferimos, para conseguir a harmonia pessoal, com Deus e o próximo, que procuramos alcançar neste tempo tão especial.
A nossa palavra inconsciente ou falsa pode ter consequências desastrosas, mas se ela for verdadeira, coerente com aquilo que acreditamos, ela pode transformar-se num testemunho vivo, numa semente de algo para descobrir para quem a ouvir. Afinal, “o homem não vive só de pão, mas de toda a palavra que vem da boca de Deus”. (Mt 4,4)

Na nossa cultura moderna, a beleza da interioridade, que a solidão, o silêncio e a oração constroem, desaparece facilmente.
É-nos imposto uma necessidade constante de ruído. Quantas pessoas não ligam a televisão ou o rádio para não se sentirem só. O silêncio é visto como algo negativo, como ausência de algo, e não como algo para saborear, uma presença, condição para qualquer presença verdadeira.
O mundo silencioso não é um mundo vazio, mas oferece-nos a possibilidade de nos concentrar e ter uma vida interior…uma vida de intimidade que nos abra para Deus.

Meditemos as palavras que D. Jorge, Arcebispo de Braga, dirigiu aos cristãos na sua mensagem para a Quaresma:
“A solidão proporciona um encontro com o eu, com a Palavra meditada, com a análise serena dos acontecimentos da vida, com a companhia de um bom livro… (…)
Sugiro por isso, uma Quaresma de espaços de deserto onde se deixam as preocupações quotidianas e, com mais ou menos tempo, me encontro comigo ouvindo o silêncio interior.”


“Silencie-se diante deste Deus grandioso pois...
a linguagem que Ele mais ouve é a do amor silencioso.”
Santa Teresa de Jesus

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